A torcida do contra

Aqueles que se interessam por futebol puderam assistir hoje a um jogo muito aguardado por uma torcida. Uma não, duas: uma torcendo pela glória e outra pela derrota de um time e tristeza de seus torcedores.

Fenômeno que se intensificou pelas redes sociais, torcer contra determinado time virou sensação entre usuários de redes sociais. Muito além das brincadeiras dos corredores das empresas ou da mesa de bar, falar de futebol não bastava e a torcida do contra ganhou força com o insucesso dos outros times. Torcer para seu próprio time não gerava felicidade, então que o outro também fique infeliz.

Essa conduta gerou até uma denominação muito usada pelos corintianos: Anti.

A gratuidade de torcer contra supera até algumas convicções (como torcer para um time argentino), aumentando a rivalidade e isolando cada vez mais o torcedor corintiano, que chega a ponto de nomear a torcida de nação, entre outros exageros próprios do fanatismo de alguns.

16dez2012
Foto: Ricardo Nogueira/Folhapress

Antes que o leitor comece a irritar-se ao tratarmos de futebol num blog sobre automóveis, explico: Existe uma torcida do contra quando o assunto é Passat?

AP: “contra tudo e contra todos”.

Frase usada pelo marketing do Corinthians, “contra tudo e contra todos” vai de encontro com a torcida “Anti”, cuja mensagem apenas reforça a rivalidade. Quando o assunto é Passat, convencionou-se chamar aqueles que gostam de preparação em mecânica VW arrefecida a água de “APzeiros”. A palavra, um neologismo com o pré nome do motor usado no Passat a partir de 1985, AP-600 e AP-800.

Ser chamado de APzeiro pode gerar dois tipos de reação: Há aqueles que colam adesivo no parabrisas e aqueles que colam um brinco na orelha de quem fala esse nome. Torcedores de dois grandes times de futebol de São Paulo, Corinthians e Palmeiras, também são conhecidos por apelidos.

Os corintianos usam o Gavião como mascote e os palmeirenses o Periquito verde. Alguns leitores podem ficar confusos, pois quando se fala em Palmeiras é possível ouvir a torcida gritando “Olê Porco”, entretanto porco era a forma ofensiva a referir-se a um palmeirense, da mesma forma que chamar de gambá um corintiano não é muito bem aceito. Nos anos 1990 o Palmeiras adotou o porco como mascote e diminuiu o tom das ofensas, vestindo a camisa suína.

Resumindo: para alguns APzeiro é uma ofensa, enquanto para a maioria é um “estilo de vida”.

Esse tipo de cultura automotiva é sui generis, algo próprio do Brasil. Um estilo de personalização e de vida que começou a ganhar força nos anos 1990, com a popularização da arrancada e fornecimento de peças de preparação, tais como turbo compressor, peças de motor forjadas, suspensão esportiva e barras de reforço. As peças melhoraram de qualidade, tiveram diminuição de preços e os preparadores começaram a dedicar-se mais ao assunto, profissionalizando-se.

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Fora das pistas, existe algumas regras para esse estilo: Carro rebaixado, rodas de liga, bancos esportivos, relógios e mostradores diversos no painel, equipamentos de som, além de alguma preparação no motor. Não é tuning, não é eurolook e não é Rot rod. É APzeiro, um estilo brasileiro.

Entre os carros usados pelos APzeiros, há o Passat, sem distinção de ano, versão, quantidade de portas, estado de conservação ou classe social de seu proprietário. Tão democrática e colossal é essa nação APzeira (sic), que há médico, juiz, advogado, professor, doutor, pedreiro e até bandido andando de “AP”, adaptando a frase usada certa vez por um presidente do Corinthians falou sobre a torcida do seu time.

E lógico que muitos se intitulam um bando de loucos, loucos pelo motor AP e seus quadrados (apelido dado aos VWs dos anos 80/90). Enfrentam nas palavras e nas pistas seus rivais, ou seja, o velho e respeitado motor GM 4100 cc de 6 cilindros, originalmente usado nos Opala/Caravam, mas que visitam cofres de carros da linha Chevette, entre outros. A briga é grande, com ótimos argumentos dos dois lados, mas ter um motor de 6 cilindros não é para qualquer um e conseguir mantê-lo na pista não é para qualquer braço.

Outro rival, os fieteiros e seus Fivetech, geram inúmeras imagens compartilhadas nas redes sociais, sempre com a discussão da força de um e da confiabilidade de outro. Briga por tempo determinado, pois esses motores tiveram vida curta no Brasil e sua manutenção é cercada de cuidados e peças com valores que superam algumas porcentagens do valor de um Marea ou Fiat Stilo.

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Foto: Facebook, “Tinha que ser APzeiro”

Assim como no futebol, os Anti APzeiros levam a pior em algumas situações, tendo razão em outras. Ou seja: Embora exista muita paixão envolvida no assunto, a razão bate em alguns pontos.

Entre as críticas, a de que todo carro de APzeiro é igual. Parece existir uma receita pronta, como a elencada retro. Entre os itens não citados, uma roda é regra em muitos carros: Rodas Orbitais (orbit, futura, etc) e suas variações. Sensação na linha Gol GTS e GTi 1991, as rodas orbitais passaram a bater ponto nos VW dos anos 1970 a 1990. A paixão é tão grande que podemos vê-las em carros atuais, em aros que vão do 14′ a 20′ (sem contar a calota 13′, destinada a quem não tem verba reservada ao automóvel).

Deixando a crítica de lado, é preciso dizer: A roda é a cara do estilo APzeiro, é própria do Brasil e combina com os VW (dependendo do aro e da altura do carro).

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Nem todo dono de Passat é APzeiro, assim como nem todo torcedor do Corinthians é “Favela”, como sugere a faixa que o técnico do time mostra na primeira foto do post. No meio dessa rivalidade, há muita gente pacífica, cujo desejo é acelerar o carro, cuidar dele, deixá-lo cada vez mais bonito e sentir aquela paixão, uma paixão inexplicável para quem não tem um VW com motor preparado.

Seja no futebol, seja dentro de um carro com motor AP, o combustível é a paixão, o que leva a cometer loucuras e destacar-se das demais pessoas ditas normais. Independente do time ou do carro, o respeito a essa paixão é essencial. Torcida contra, sempre haverá.

Sobre Artur.Y

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4 comentários

  1. Tema muito interessante, ótimo texto! A analogia com o futebol foi muito pertinente, afinal as torcidas são as manifestações coletivas onde surgem de forma mais comum rivalidades que às vezes fogem dos limites saudáveis, ou seja, quando passa da brincadeira e do bom humor e se tornam viciosas demonstrações de intolerância. No entanto sabemos que historicamente acontece também em outros “campos”, seja discussões politico ideológicas, religiosas e cultura de modo geral, mas acredito que a internet potencializou esse efeito por causa da força da palavra escrita, que em certos momentos parece amplificar nossas intenções e facilmente uma brincadeira pode ser interpretada como ofensa. No mundo dos fãs de carros tem acontecido também e o termo “APezeiro” ganhou força pejorativamente. Um exemplo que já vi tempos atrás foi um pessoal que curte carros japoneses se rivalizarem com aqueles que curtem carros franceses, que por sua vez torcem o nariz para as marcas coreanas, mas quando é pra falar em Apzeiros todos se unem e a analogia com o “contra tudo e contra todos” acaba sendo perfeita, mas a grande verdade é que em qualquer um dos lados, quando se extrapola aquele limite, encontramos erros e juízos exagerados com consequências desagradáveis. Acho que a tendência de fazer pré-julgamentos é mais natural no ser humano do que a de se colocar no lugar do outro, o que é uma pena, pois evitaria o surgimento de estereótipos que, na verdade, não dizem nada sobre as pessoas. Rivalidade sim, mas na medida e com bom humor.

  2. Cláudio, você entendeu o espírito do post! Confesso que fiquei preocupado ao escrever sobre esse assunto, ainda mais tratando de futebol e personalização de automóveis. A ideia é respeitar a escolha alheia, por mais que não seja do nosso agrado. E sobre o termo APzeiro, podemos dizer que na maioria das vezes é usado de forma pejorativa, podendo até atingir quem apenas anda num carro com motor AP e original.

  3. Pois é. Eu não gosto deste termo “APzeiro”. Esse também circula pejorativamente entre os que curtem motores V8. Eu tenho um Voyage, e lamento que a maioria dos caras que curtem a linha quadrada, seja Passat, Gol, Voyage, Parati, quando compram um desses modelos, já ficam pensando em fazer preparação, seja turbo, aspirado e o escambau. Gastam verdadeiras fortunas no carro, que no final das contas, acaba desvalorizando o veículo, e muitas vezes, quando o dono precisa de vender, jamais vai encontrar um preço bom. Prefiro manter o carro original, já que tenho o carro para passear com a família, e não pra ficar se exibindo.

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