Tem circulado pelas redes sociais pelo Facebook (sempre achei uma besteira ficar falando “redes sociais”) um texto falando sobre um Projeto de Lei que tramita pela Câmara dos Deputados, em Brasília, que proibe a circulação de veículos antigos no Brasil.
A corrente, ao contrário da maioria que circula pela rede, desta vez é real. O deputado Onofre Santo Agostini (PSD – SC) apresentou o Projeto de Lei 5085/2013, que propõe que “Fica proibida a circulação nas vias de todo o território nacional de veículo automotor com idade igual ou superior a vinte anos de fabricação, ou 300.000 Km de uso, contados a partir do primeiro emplacamento“. Mas o texto ainda prevê que “Fica excluído da proibição estipulada no caput, o veículo de coleção ou aquele em bom estado de funcionamento, cuja circulação, mediante licença especial concedida pelo órgão oficial de trânsito dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, conforme regulamentação do CONTRAN“.
A lei traz ainda alguns pontos polêmicos, como a obrigação do fabricante readquirir o veículo proibido de circular conforme a lei e a proibição de isenção de IPVA a veículos com mais de 20 anos de fabricação, uma prática comum a vários estados brasileiros e um direito adquirido. Sem esquecer do recolhimento de veículos com mais de 300.000km. Como comprovar o fato, mesmo em veículos mais novos? Quantos km em média um táxi roda por ano nas grandes cidades?
Para os infelizes proprietários alcançados por essa lei, que seriam aqueles com carros “velhos e em mal estado de conservação”, nada está perdido. É previsto um bônus para adquirir um veículo 0km. Até agora ninguém explicou como um proprietário que nem tem dinheiro pra manter um carro em bom estado de conservação terá dinheiro pra manter um carro 0km, com suas revisões, IPVA e seguro. E ninguém explica também quais serão os critérios para avaliar o que é um veículo em mal estado de conservação e quem fará essa avaliação. Quem sabe uma concessão mal explicada como a Controlar, criada pela Prefeitura de São Paulo, apareça para avaliar nossos carros mediante o pagamento de alguma nova taxa? E o que nos garante que essa avaliação será justa? A frenética corrida pela placa preta vai aumentar e o número de ilegalidades aumentará na mesma proporção.
Sem esquecermos o fato de que, se um veículo não oferece riscos para a segurança dos seus ocupantes e dos demais motoristas e pedestres, não há motivo lógico para que sua circulação seja proibida. Aqui em Niterói circula um dos táxis mais antigos do Brasil, um conservadíssimo VW 1600 (ou “Zé do Caixão”) ano 1969, devidamente autorizado pela prefeitura pois não há motivos para tirá-lo das ruas e do seu trabalho, que realiza desde 0km. E nem tenho idéia de quantos velhos caminhões FNM fazem diariamente o transporte de carga no entorno do Porto do Rio de Janeiro. São apenas dois exemplos pra citar o uso de veículos com mais de 20 anos (e certamente muito mais do que míseros 300.000km rodados) que tem uso profissional diário sem risco para a segurança ou o trânsito, com raras exceções. E se para o uso profissional isso é perfeitamente possível, por que não para o uso particular? Certamente ninguém quer a circulação de sucatas perigosas nas ruas, mas deixem nossos velhinhos em paz.
O que pode nos consolar é que este não é o primeiro projeto de lei sobre o assunto. Os outros acabaram se perdendo no tempo, em meio a burocracia da Câmara, ou rejeitado pelos demais deputados. Então, inicialmente sugiro a todos que não entrem em pânico por conta disso.
Para quem quiser saber mais sobre essa PL, basta acessar este link da Câmara. Clicando em “Cadastrar para acompanhamento” você receberá via e-mail as movimentações relacionadas ao assunto. Clicando em “Inteiro teor” você tem acesso ao arquivo PDF com o texto integral da proposta. E quem se interessar em manifestar a sua opinião ao ilustre deputado Onofre Santo Agostini (nem preciso dizer que façam isso de maneira correta e educada, argumentando sobre o assunto), este link tem o e-mail e telefone do gabinete. Talvez falte ao brasileiro exatamente a prática de se manifestar aos políticos eleitos. E eles estão lá pra nos representar, portanto precisam ouvir nossa opinião.
Curiosa a preocupação do nobre deputado com esse tema. Deve ser porque o brilhante trabalho que ele e seus colegas têm feito em Brasília deve estar dando tão certo que todos os problemas brasileiros relevantes como educação, saúde, segurança, habitação, transporte, infraestrutura e etc., estão em vias de se resolver em definitivo. E com isso agora poderão se dedicar a temas menos importantes. Parece até piada, mas não é. Mas pior do que não ser importante é que provavelmente é inconstitucional. O que no Brasil não significa nada, pois o rodizio de veículos também é inconstitucional e, mesmo assim, é aplicado.
O mundo está mesmo ficando chato. Uma cascata de regrinhas, leis tolas e novas proibições é despejada o tempo todo pelas “mentes brilhantes”. Cada vez mais fácil de enquadrar cidadãos de bem em transgressores e pagadores de multas. Dirigir há pouco mais de 60 Km/h já faz de qualquer um assassino em potencial. Os fumantes então, coitados…, têm medo de acender um cigarro em público. E olha que eu nem fumo! Agora mais essa. Quando tirarmos nossos carros velhinhos nas garagens vão ficar apontando o dedo pra nós?! Espero que mais essa bobagem não passe do papel e caia no esquecimento, mas com a qualidade da classe política brasileira tudo é possível.
A ideia não é exclusiva daqui, há uma reportagem na revista Veja de dezembro do ano passado na qual está escrito que o prefeito de Paris enviou uma proposta para ser aprovada pelos vereadores daquela cidade no sentido de retirar de circulação veículos com mais de 17 anos de fabricação pois, estes não possuem tecnologia para retenção de poluentes. Isto também parece ter enfurecido o dono de carros antigos por lá. 🙂
Concordo que existe coisas mais importantes aqui na “Terra Brasilis” para os nobres deputados de Brasília se preocuparem do que tirar de circulação carros antigos, como as já mencionadas pelo Cláudio.
Se a placa preta já virou “Placa Treta”, imagine se esta lei for aprovada, vai ser uma festa de placa preta andando por aí.
O mundo realmente está cada vez mais chato de se viver, e parece que só piora. 🙁
Ao longo dos anos aprendi que “o mal deve ser cortado pela raiz”, “a doença deve ser tratada desde o começo” e “uma rachadura na parede, se não solucionada sua causa, em algum tempo derrubará a casa inteira”. Mas no Brasil, nada funciona assim. Vivemos em um grande e bonito castelo, mas que cresce a passos largos em cima de um lamaçal gigantesco chamado “corrupção” e à beira de um precipício chamado “impunidade”. Ou seja, para esse castelo grande e bonito permanecer em pé, falta alicerce. E todos sabemos que alicerce é o princípio de uma boa obra. Ou seja, faltam princípios ao Brasil. Aqui tudo é feito com base no binômio conivência/conveniência. E se a antiga pergunta “o que eu ganho com isso?” já chocava por ser absurda, sua forma evoluída agora se tornou normal, ninguém mais se choca e todos querem participar do “o quanto eu ganho com isso???”. É triste e, ao menos por ora, não vejo solução. Pois, ao contrário do que a maioria pensa, vivemos em um país onde povo não fica em segundo plano: simplesmente não há nenhum plano para nós, que somos surrados todos os dias com providências e medidas paliativas que não resolvem em nada os problemas da população. Essa Lei é só mais uma dentre várias que estão em pauta todos os dias no Congresso Nacional que, no lugar de resolverem algo, apenas criam ainda mais problemas para uma sociedade que a cada dia que passa perde mais os seus princípios (se é que ainda existe algum) e se entrega à política do “pão e circo” (afinal, aqui tem carnaval, o Rio de Janeiro continua lindo e a Copa do Mundo de 2014 é nossa!!!). Tô errado? Apenas imaginem essa Lei sendo votada em plena época de Copa do Mundo com total apoio das grandes montadoras nacionais, sedentas por contratos milionários de renovação de frota (polícias militar e federal, correios, guardas municipais, frotas governamentais, gigantes da comunicação e suas prestadoras de serviço, empresas de transporte público…). Vou orar para que ainda haja um pouquinho de dignidade em nossos representantes, pois a comissão vai ser alta. Que Deus nos ajude!!!
Fernando Almeida, excelente comentário!
Eu penso o seguinte: a lei não é totalmente repugnante, a única cláusula que não faz parte do bom senso comum é a proibição desnecessária, polêmica, imbecil, etc. Apenas a realização das outras medidas, como, principalmente, obrigar as montadoras a SEREM RESPONSÁVEIS pelo lixo que produzem, pois afinal, um dia a terra há de comer e se tiver que acontecer, que seja de maneira sustentável. Eu realmente me preocupo com a quantidade de carros “descartáveis” vendidos desenfreadamente hoje e, como um dia, eles serão porcarias que ocuparão espaço. O incentivo ao carro novo, entregando o usado ao fabricante, também seria uma prática sustentável, para os que usufruem apenas da função principal do carro ( transportar). Ou seja, a maioria. Sendo assim, não vejo necessidade dessa medida de proibição de 300000 km ou 20 anos. Até porque, teoricamente, já não temos os órgãos reguladores do trânsito que fiscalizam e apreendem as sucatas ambulantes que andam de faróis apagados à noite ou expelem óleo na mesma proporção de combustível? Precisa criar mais uma lei pra corrigir a impunidade da outra? Isso sem considerar a inconstitucionalidade da medida, como disse o Cláudio…
Felipe, perfeita a sua colocação, concordo plenamente. Quando você menciona em seu comentário “a única cláusula que não faz parte do bom senso”, é exatamente nesse ponto que se encaixam as expressões “o mal deve ser cortado pela raiz”, “a doença deve ser tratada desde o começo” e “uma rachadura na parede, se não solucionada sua causa, em algum tempo derrubará a casa inteira”. A lei criada com brechas e artigos incoerentes, abre um precedente enorme para a destruição de bons princípios em prol do benefício próprio de alguns. Nós seguimos a premissa de que carro velho é uma coisa e carro antigo é outra. Hoje é fácil defender esse princípio. Mas e daqui a 10, 15 ou 20 anos, como será? Como disse o João Adamo, a lei ainda nem existe e já estão avacalhando com as placas pretas. E se ela entrar em vigor???
Fernando, bem observado, pois se cortarmos essa medida absurda pela raíz, não teremos os problemas com placa preta, etc. Bom, eu fiz minha parte e mandei um e-mail para o deputado e recebi um retorno do gabinete agradecendo pelas minhas considerações. Tomara que sejam levadas em conta. A propósito, Grigorevski, obrigado pela divulgação do site da câmara. Realmente, se todos acompanhassem os Projetos de Lei em vez de acompanhar bobeiras e vida alheia no Facebook, talvez tivéssemos um país melhor pra se viver e menos explorado.
Segue a carta enviada:
Prezado Deputado Onofre,
Gostaria de realizar as seguintes considerações sobre o projeto de lei PL 5085/2013:
A única cláusula que não faz parte do bom senso comum e da constituição é a obrigação do proprietário em ter de se desfazer do seu veículo.
Já a adoção de outras medidas, como, principalmente, obrigar as MONTADORAS a serem definitivamente as principais RESPONSÁVEIS pelo resíduo que produzem, já seria de bom tamanho. Eu também realmente me preocupo com a quantidade de carros “descartáveis” vendidos desenfreadamente hoje e, como um dia, eles também ocuparão espaço no meio em que vivemos. Realmente, portanto, o incentivo ao carro novo, em que o cidadão entrega o usado ao fabricante para reciclagem, seria sim uma prática sustentável para os que usufruem apenas da função principal do carro – transportar. Ou seja, a maioria da sociedade. Sendo assim, uma vez que essas medidas já seriam suficientes para renovação da frota, não vejo necessidade dessa medida de proibição de circulação a automóveis com mais de 300000 km ou 20 anos. Até porque, teoricamente, já não temos os órgãos reguladores do trânsito que fiscalizam e apreendem os veículos irregulares que podem ser nocivos a sociedade?
E quanto a poluição, seria necessário um critério mais rigoroso, pois simplesmente afirmar que carros novos são necessariamente menos poluidores que antigos é um erro (conforme a justificativa do PL 5085/2013), pois há variáveis que dependem da categoria do automóvel em questão, do combustível utilizado, da tecnologia nele empregada, etc. Até a adaptação de tecnologias atuais em carros antigos, devidamente certificada pelos órgãos reguladores, também pode ser válida para redução do consumo de combustível/energia. Ou seja, não dá pra afirmar que o carro antigo é necessariamente menos econômico que um novo.
Vejo muito mais importante a obrigação do cidadão em manter a manutenção do carro em dia do que simplesmente retirar um automóvel com alta quilometragem de circulação (que pode estar em melhor estado que um modelo mais novo, porém sem manutenção, por exemplo – fato que observo constantemente em nosso cotidiano).
Sinceramente,
Parabéns pela iniciativa! Reconheço que preciso falar menos e agir mais, assim como você fez!
Abraços!
Obrigado Fernando. Acho que nunca é tarde pra fazermos o que ainda queremos, acreditamos e achamos certo, querer é poder! Manda bala! Abraço
Gostei de ver o debate por aqui!
Olhem só:
Estive em uma garagem aqui da minha cidade e encontrei um Corolla 2010 à venda com 150.000 Km rodados. Aparentemente o carro estava bonito e perfeito. Perguntei a um mecânico especializado e ele me disse que esses motores Toyota, se bem cuidados, rodam bem mais de 300.000 Km sem problemas. Pois bem, se o carro continuar nessa tocada, com apenas 06 anos de uso, com base no projeto de Lei, já estaria proibido de trafegar! Fico imaginando um feliz comprador de um Corolla 2007 (por exemplo) tendo que pedir autorização especial do governo para poder rodar com o seu veículo. Ou vai ter muito carro bom sendo vendido a preço de banana, ou muita gente fraudando hodômetro por aí. Ou os dois!
Tem total razão, Fernando! E ainda devem existir alguns carros que ainda não atingiram 20 anos cujo hodômetro zera ao chegar nos 99.999km. Tive um Monza 1993 que era assim, então creio que os outros também sejam. Como provar a km?
E o nobre deputado já ouviu falar em retífica?
O nobre deputado teve uma idéia muito infeliz.
Grigorevski, tá certo, essa idéia foi infeliz mas não acho que todo esse Projeto de Lei seja descartável. É só essa besteira de ser obrigado a se desfazer ou entregar o carro com 300000km ou 20 anos. Só essa cláusula que tá matando, o resto do PL é até interessante: benefício do governo a quem queria entregar seu carro antigo por um novo – imagine a quantidade de sucatas que nem rodam direito indo pra mão das montadoras (se a lei for levada a sério, a responsabilidade da sucata deve ser de quem a construiu)… aí já até tô vendo, as montadoras vão ter que terceirizar para que o ferro velho venda o aço que restar, e aí depois elas vão comprar esse mesmo aço (agora reciclado) das siderurgicas…rs… bom, isso iria movimentar mais ainda a economia, pois apesar delas gastarem nesse processo de “pegar o carro velho de volta”, elas poderiam vender mais carros novos… funciona assim na Europa, certo? Bom, tem muita gente aí querendo entregar o usado por um novo, só falta um empurrãozinho (taí, bolsa carro…hahaha). O que não pode é querer obrigar quem não quiser participar disso…Abraços
Bolsa carro … hehehehehe … O interessante é que já tem carro descartável sendo vendido por aí. Sob esse ponto de vista, tem gente que vai é agradecer a idéia de devolver o carro!
Onde eu escrevi carro “antigo”, leia-se carro “velho” rs…